As nuances de comportamento, a necessidade de aplicar cada vez mais o senso de equidade na sociedade e no mercado de trabalho e as garantias em lei para as pessoas com autismo foram alguns dos pontos abordados no encontro virtual com a advogada Carla Bertin, no último dia 26 de abril, promovido pelas empresas PCH Braço, Tevisa, Linhares Geração, Tropicália Transmissora e Povoação Energia, por meio do programa “+ Que Respeito”.
A live “Abril Azul: Uma conversa sobre conscientização e direitos do autista” foi transmitida no canal Comunicação Energia, onde o conteúdo está disponível com acesso livre. Durante pouco mais de uma hora, Carla falou sobre suas vivências, experiências e percepções sobre o universo do Transtorno do Espectro Autista (TEA), um mundo, como ela mesma gosta de descrever, “com 50 tons de azul” – cor símbolo do autismo.
Especialista em Intervenções Precoces no Autismo e em Inclusão e Direitos da Pessoa com Deficiência, Carla Bertin é mãe de Gabriel, um pré-adolescente autista. Foi a partir da convivência com o filho que ela percorreu o caminho até o conhecimento sobre o TEA e deu início ao Autismo Legal™️, maior projeto de divulgação dos direitos do autista da América Latina.
Ao se atentar para as diferenças e sutilezas no comportamento da criança, a advogada abriu-se para uma nova realidade. E o que era dúvida virou certeza: era mãe de um menino autista. Ao passar dos anos, os sinais ficavam cada vez mais claros: Gabriel gostava de separar objetos por cor, tinha pânico na hora de lavar a cabeça e cortar a unha, amava números, brincava sempre da mesma forma e alinhava brinquedos.
“As pessoas só vão conhecer e respeitar o autismo se um dia elas forem apresentadas. O autismo é como se fosse um sistema operacional diferente. É um cérebro diferente. O autismo é um grande quebra-cabeça. Todas essas características estão espalhadas numa mesa e é preciso juntar uma peça com a outra. Eu só consegui reconhecer o autismo depois que alguém me apresentou.”
Direitos compilados em e-book
Após esse preâmbulo na conversa, Carla avançou no tema falando sobre os direitos da pessoa com TEA, que estão compilados no e-book “Direitos dos Autistas”, elaborado por sua organização. Duas das mais importantes legislações que foram um divisor de águas nessa luta foram a Lei 12.764 de 27/12/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, e a Lei 13.146, de 06/07/2015 – a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Ambas confirmam e solidificam a aplicação do status de pessoas com deficiência a pessoas com autismo, garantindo então a estas todos os direitos previstos.
Na educação, por exemplo, ninguém pode proibir a matrícula de uma pessoa com autismo ou cobrar o valor a mais por esse acesso. “E não há limite de vagas para inclusão (cotas)”, complementa.
Na saúde, o autismo não é considerado “doença preexistente” e, por isso, não há carência implícita contra quem paga plano privado. Há direito, ainda, a remédio gratuito, sem exigência de limite de terapias, e a acesso a profissionais capacitados.
No trabalho, a pessoa com autismo pode sacar o FGTS para pagar terapias e exigir adaptações no ambiente de trabalho para características como hipersensibilidade à luz. “Não é a pessoa com autismo que precisa se adaptar. Somos nós quem devemos nos adaptar a ela”, pontua.
Diálogo aberto
A parte final do encontro virtual foi dedicada a sanar dúvidas dos participantes sobre o autismo. Com mediação da comunicóloga e consultora ESG, Daniela Klein, e a jornalista, Withiner Marques, foi promovido um debate sobre o tema e respondidas perguntas, entre elas: “como transmitir aos nossos filhos pequenos a melhor forma de interagir com uma criança com autismo?”.
“Conviver com pessoas diferentes é uma vantagem. É importante falar para as crianças que aquele amiguinho é um pouco diferente, com dificuldade de dividir os brinquedos, por exemplo. Falar que as pessoas são diferentes, e tudo bem”, respondeu Carla.
Indagada sobre se a pauta da inclusão avançou nas escolas, a advogada foi enfática: não. “Não é um problema dos professores. A inclusão é um caminho sem volta. A escola precisa buscar esse conhecimento. Não dá para deixar de atender um aluno com autismo. Está na lei. A gente precisa trabalhar em parceria: pais, professores e terapeutas.”
Sobre os diagnósticos tardios em pessoas já adultas, ela conta que esse caminho muitas vezes é percorrido quando na busca pelo tratamento do filho, também com autismo. A partir disso, vem a pergunta: e o que muda no mercado de trabalho para um adulto que se descobriu com TEA? Há direitos a serem exigidos para a pessoa recém-diagnosticada?
“Não muda muita coisa sobre os direitos para pais autistas. Mas a pessoa com autismo pode sair do trabalho para fazer terapia, por exemplo. A gente precisa de uma reforma trabalhista para avançar nessa área. Sobre a dispensa para levar o filho para a terapia, grandes empresas suportariam essa garantia, mas pequenas não. Iriam quebrar. precisaríamos de incentivos fiscais por parte do governo. Não é algo que se resolva no curto e médio prazo.”
Durante o encontro, Carla também informou alguns canais de denúncia contra descumprimento aos direitos do autista. Quem se sentir desrespeitado pode procurar o Ministério Público, a Secretaria de Educação, o Ministério da Educação, vereadores, deputados, imprensa, conselhos de classe, conselho tutelar, Disque 100 (Direitos Humanos) e ouvidoria@mdh.gov.br. Pode, ainda, fazer boletim de ocorrência.
Publicado por KICK